03 January 2006

schopenhauer

Translation: Notes from Schopenhauer,
plus questions!
by Jason
" ... I found these in an essay entitled : "On language and words." I'm interested in reading theory on translation in order to develop a list of (almost) universal principles of translation... Any thoughts?

"Not every word in one language has an exact equivalent in another." (agree? examples? also: do words ever have an exact equivalent in the SAME language?)

"This [lack of equivalency] causes unavoidable imperfection in all translation."

"Even in the realm of prose, the most nearly perfect translation will at best relate to the original in the same way that a music piece relates to it's transposition into another key. Musicians know what that means." (why does Schopenhauer privilege prose discourse as being somehow easier to translate? Is this analogy accurate? Is translation the same as transposition? Is language the same type of semiotic system as music? Or is this what Jackobson would call "intersemiotic" translation?... What say ye, musicians?)

"When we learn a language, our main problem lies in understanding every concept for which the foreign language has a word, but for which our own language lacks an equivalent--as is often the case. Thus, in learning a foreign language one must map out several new spheres of concepts in one's own mind that did not exist before. Consequently, one does not learn only words but also concepts." (This idea is fascinating, but does it apply to all language learners? Or do some only learn words and phrases...? Schopenhauer himself answers the question later in the essay... What he doesn't tell us is that perhaps the concepts are not only related to the second language but, as I believe, to the interaction between the first and second. From this perspective, an English speaker learning French would discover concepts slightly different than a Spanish speaker learning French... What about a student of French who already speaks Spanish and German? The problem of enumerating the possible concept-creating combinations becomes a problem for the mathematician.)

Schopenhauer distinguishes between the words and phrases of a language and its "Spirit." He says, "If one has properly grasped the spirit of a foreign language, one has also taken a large step toward understanding the nation that speaks that language." (So, what's the implication for a globalized world in which languages are disappearing or becoming increasing homogenized? What are the consequences for national identities? Some Latin American countries have decided to "dollarize" their economies. They literally reject their own currency for a more universal token of exchange. Is this similar to today's pervasive mindset that everyone should be learning English or Mandarin? What happens to the cultural identity of a people or nation that dollarizes its language? If all Peruvians learned English, would a monolingual American or Brit immediately identify with the Peruvian national character? Too bad Schopenhauer's dead...)

Happily, Schopenhauer would probably be opposed to the homogenization of languages. Unlike so many people today, he actually celebrates "polyglotism" as a way to clarify and multiply our perceptions, to expand our conceptual understanding: "Therefore, an infinite number of nuances, similarities, differences, and relationships among objects rise to the level of consciousness as a result of learning the new language. This confirms that one thinks differently in every language, that our thinking is modified and newly tinged through the learning of each foreign language, and that polyglotism is, apart from its many immediate advantages, a direct means of educating the mind by correcting and perfecting our perceptions through the emerging diversity and refinement of concepts. At the same time, polyglotism increase the flexibility of thinking since, through the learning of many languages, the concept increasingly separates itself from the word." (This is genius, and a great justification for being a language teacher--and learner. However, what struck me as I read this was the assumed privilege given to the notion of Language... Would Schopenhauer's argument about enriching the thinking process be just as valid if we were to substitute the words "language" and "languages" with ones such as "theory", "scientific insight", "poetic impression
"...?) "
...
"All truth passes through three stages. First, it is ridiculed. Second, it is violently opposed. Third, it is accepted as being self-evident."
(A. Schopenhauer)
...

Arthur Schopenhauer by Antony Hare 2000

Hmmmm

Sim. Concordo que quando se traduz uma obra (eu sei, foi uma constatação feita também por Borges!) já não é a mesma obra. E há horas em que a tradução se revela realmente melhor que o original ― o supera. Ou simplesmente adquire significado diverso, talvez impregnado dos regionalismos desta outra língua, talvez criando outras imagens que o autor não fora capaz de criar ou que a língua original não dispunha. É de uma fatalidade tanto frustrante quanto curiosa. Não há escapatória. A tradução é a arqueologia da obra. Destrói e revela por natureza. Sim. Ou recria. Nada mais pungente que isto ― se saber lendo algo de autoria desvirtuada ou quase desconhecida. Acho que não deve haver fidelidade de qualquer tipo no universo. Muito menos na tradução. A palavra e sua forma e a relação da palavra com outra palavra são ambas a mesma chapa fotográfica do feitio específico de uma abstração. A abstração de alguém. Concordo plenamente ― a expressão verbal revela a sistematização da mente e esta, por sua vez, os meandros do sentir e pensar. Por isto sempre quis aprender japonês (uma esperança de me tornar quem sabe mais organizada!). Não entendo como cheguei a esta conclusão estapafúrdia, mas quanto mais conheço do cérebro humano, mais percebo que, em se falando da mente, quase tudo se resume à criação de caminhos. Trilhas neurais esculpidas pelos mais diversos aprendizados. E, se hão de ser diferentes caminhos, hão de levar (por que não?) a diferentes destinos. Não é de hoje que me faço esta pergunta: onde me leva a linguagem na qual fui forjada? Eu seria a mesma tendo nascido hindu? Vem aí uma outra teoria da personalidade: o fato de ser esta um acidente geográfico. Equivalência é outro conceito que, enquanto realidade, me parece fortuito. Acontece. E nisto eu discordo de Schopenhauer. Não que aconteça sempre. E, quando acontece ninguém sabe como. Considerar sobre a equivalência em tradução deve ser algo parecido com sopesar o amor, partindo do principio de que ambos sejam a conjunção do acaso. Plagiando Milan Kundera; diz ele: "o acaso tem suas mágicas (...) Para que um certo amor seja inesquecível é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante". Então, pode ser que a tal equivalência lingüística seja algo assim como um caso de amor entre duas línguas. Ah! No sentido da linguagem! ; ) Mas, diante disto, surge outra questão: se mal sequer adivinho a intenção do autor — ou o seu sentido mais profundo: aquele que, ao dominá-lo, produziu esta ou aquela representação verbal — de que forma ser fiel a ele? Não é a própria linguagem (mesmo a "original") infiel à sensibilidade do autor? E não seria, portanto, a fidelidade neste caso uma grande bobagem? Mas, sim, concordo, não se pode aprender apenas a "palavra". Nem mesmo em nossa língua natal. Eu, por exemplo, por muito tempo ao ouvir falar de um camarão graúdo julgava se tratar de uma coisa bem pequenininha. E depois de anos em criança dizendo "redola" não me acostumo com "rodela" de coisa alguma. Todo diálogo é no fundo uma Torre de Babel. Afinal, quanta diferença não existe na palavra de um quando apossada pelo outro? E para completar, o caso de amor com as palavras (de Quintana à Veríssimo) é mesmo uma relação da mescla de paixão e ódio. Vivo algo assim — apesar da irresistível atração que a palavra provoca, sentir a raiva indignada pela limitação a que ela nos confina. Me agrada, portanto, a imagem da gaiola de palavras. Palavra como aquilo que nos dá meios de "caminhar" (substrato ao pensamento) e nos serve concomitantemente de grilhões, nos impedindo de avançar. Coisa contraditória a linguagem. Aliás, tentava eu encontrar um substituto da palavra "palavra", e não achei. Então pensei: não está a idéia de "conceito" já embutida na própria palavra? Se não estivesse, eu a poderia substituir por "grifo", e não posso. Creio que a forma como cada um utiliza a linguagem tem algo de cultural (econômico até) e algo de subjetivo. É uma apropriação que extrapola a barreira lingüística propriamente dita e encontra resposta na expressão individual[1]; o modo como me ponho diante do mundo e com ele me comunico — melhor: como me sinto impelido a comunicar. Logo, não seria o aprendizado de qualquer língua (estrangeira ou nativa) um reflexo daquilo que tenho a dizer ou das questões que me suscita o próprio mundo? Da mesma forma, se o aprendizado de uma nova cadeia de símbolos e relações é capaz de abrir horizontes e me oferecer novas ferramentas no diálogo com o que me cerca, isto é seguramente relativo, variável. Acontece ou não; mais ou então menos, quase independente da nossa vontade. Algo que se pode até buscar, mas cuja intensidade não se controla e tem origem na história passada e presente de cada um. Esta busca, enquanto ensejo comum, às vezes se revela na assimilação cultural de uma nação por outra — seja enquanto povo ou enquanto pequeno grupo dominante. Mas tal apropriação, que inclui a troca, me parece mais fascinante que assustadora. É claro que o movimento evolutivo das coisas implica sempre na morte do velho para o nascimento do novo, ou seja, em alguma forma de transformação. Um apaixonado pelo ser humano e pela comunicação do que no seu íntimo ele é capaz de criar, vai sempre se lamentar diante da possibilidade de perda ou arrefecimento de quaisquer e toda possibilidade de expressão — visto ser cada uma única a sua maneira. Aliás, para um apaixonado (de novo na palavra do controverso Roland Barthes) perder é sempre inimaginável. Perder qualquer coisa. O apaixonado quer a possessão total e completa do seu objeto de desejo. Se o objeto em si é a compreensão pura e simples, conceitual, ou se é o domínio da linguagem, o apaixonado há de querer falar até a língua dos anjos. E, não a encontrando, a inventará. Os caminhos, portanto, se abrem em nossas mentes com força proporcional a que nos lançamos sobre eles. Aliás, pode ser que os apaixonados, num tempo de globalização sejam capazes da façanha de preservar "nacionalidades" inclusive estrangeiras. De resto, é da natureza social que as nacionalidades se transformem, seja como for ou por quais dominações a que estejam sujeitas. Dói para os preservacionistas. Dói para os apaixonados. Porque nem um dos dois admite o descongelamento do tempo. Já reparou que as paixões são assim... nos querem presos num determinado instante e nos põe a idolatrar a eternidade contida no mesmo? Uma eternidade onde a beleza que nos fascina estará pra sempre preservada. Pois sabe-se lá o que será do caiapó falando inglês e do queniano rimando em mandarim. Só nos resta rezar! Quem sabe disto tudo não nasce uma outra paixão? E não é isto o que acontece conosco? Uso-me de exemplo. Amaria tanto o português se não fosse o inglês, o francês, o italiano, o japonês...? (só pra citar algumas línguas) E não é no confronto que uma revela a beleza da outra — ao mesmo tempo que, modificando-a, eventualmente a destrói? Um confronto que fala tanto das diferenças quanto de similitudes. Por isto, outra vez a analogia do amor: aquilo que me atrai no outro é "identificação", mas não somente do que nos coincide, como também do que nos intriga e do que nos complementa. Pessoalmente sou contra quase todo tipo de homogeneização. A única homogeneização que me parece plausível no momento é massa de bolo. Mas esta é uma opinião extremamente subjetiva e pessoal, sem qualquer fundamento. Se alguém perguntar "por que?", respondo apenas "porque sim". E, fosse eu convidada a imaginar uma possível contestação de Schopenhauer, diria muito soberbamente que ao falar de linguagem ele já previa seus desdobramentos… teorias, "insights", impressões poéticas e outras produções da mente humana tão intrínsecas à linguagem que acabam praticamente sendo dela uma sinonímia. Ou melhor, um derivado. Um traço interessante da linguagem tem como exemplo a própria palavra "linguagem" que, como qualquer outra palavra, funciona nas nossas mãos feito um repositório, uma caçamba de caminhão, um carrinho de supermercado. Nos possibilita acrescentar a ela, como quem lança grãos numa tulha, os significados que quisermos. Assim, fica a palavra mais rica e, no entanto, incógnita, precisando ser cunhada de novo e a cada instante por aquele que a profere. Ainda falando de tradução, penso sim ser ela uma corruptela. É engraçado pensar que possa ser ruim ou má, e que assim os nossos sentidos a reconheçam. É de fato uma outra obra. Se original, não sei. Talvez a tradução seja uma forma de criação assistida. Como quem decalca um desenho usando o vidro de uma janela. Como quem pinta sobre um esboço a carvão. Uma paródia? Um plágio? Uma releitura? Nunca a mesma obra. Acho que se Schopenhauer estivesse vivo diria ainda que, não sendo nunca os processos mentais os mesmos entre um indivíduo e outro e, sendo diferentes, portanto, as sensibilidades geradas, uma obra não é a mesma obra nem mesmo quando lida por uma só pessoa num intervalo de alguns anos. Bom, alguém já disse isto! Disto eu tenho certeza. Ou seja "nada de novo ao sul do equador". Agora é só descobrir os verdadeiros autores dos meus pensamentos.


[1] (taí, preciso estudar lingüística, considere que não me referi à ciência com "C")

___________

p.s. ( 1 ) Acho que acabei não respondendo suas perguntas!

p.s. ( 2 ) The artist's notes on this drawing:

"Pessimism. I was urged by a fellow philosophy student and friend in Nottingham to try my hand at Schopenhauer, and so I decided to give it a go. I'm not too sure if I've captured his likeness exactly the way I imagined, but there is something interesting about this effort. I started with a perfect circle for the head, as an experiment. I really don't know too much about Schopenhauer except that he was influenced by Kant and that he is known for his pessimism. I recently read that his mother disliked him for his gloomy outlook. That can't be healthy. This illustration most recently appeared on the cover of a Spanish translation of The World as Will and Representation."

font: http://www.siteway.com/illustrations_arthurschopenhauer.php 03 January 2006. By the way, very nice site and terrific work by Antony Hare http://www.siteway.com/index.php

2 Comments:

Blogger Jason J said...

I forgot to say: It's an honor to be quoted on your blog!

5:10 PM  
Blogger Jason J said...

I wouldn't say you need to study linguistics at all. You have a superb intuitive understanding of linguistics already. You understand how language works, and you recognize that much of what you know about it comes from your own experience, that you are communicating personal theories. Yet, they are still very convincing and relevant to linguistics in general, I think. It's true that some of what you theorize has been said before. A person's individualized use of all the linguistic system's resources has been called "parole" by the father of modern linguistics, semiotics, and Structuralism, Ferdinand de Saussure. But you discover lots of very important concepts on your own, independently. I wonder if you realize how very impressive you are when you express all of this knowledge. For me it's hard to write a worthy response to everything you have said. I was just in awe reading it all!

5:13 PM  

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