18 November 2006

sublimação


"Pelo amor de deus/ Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem/ Não vê que deus até fica zangado vendo alguém/ Abandonado pelo amor de deus/ Ao nosso senhor/ Pergunte se ele produziu nas trevas o esplendor/ Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor/ Criado pra adorar o criador/ E se o criador/ inventou a criatura por favor/ Se do barro fez alguém com tanto amor/ Para amar nosso senhor/ Não, nosso senhor/ Não há de ter lançado em movimento terra e céu/ Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel/ Pra circular em torno ao criador/ Ou será que o deus/ Que criou nosso desejo é tão cruel/ Mostra os vales onde jorra o leite e o mel/ E esses vales são de deus/ Pelo amor de deus/ Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem/ Não vê que deus até fica zangado vendo alguém/ Abandonado pelo amor de deus..."
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Hoje decorri mergulhada na voz de Maria Rita... Música move, embala. E eu desejava faze-la brotar aqui.
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Como ressaltou Wisnik na leitura do belo conto de Guimarães Rosa: palavra é som; o próprio som, poesia. A letra de Chico e a música de Edu Lobo juntas são duas, três vezes poesia. Na voz de Maria Rita.. quatro, cinco, dez vezes poesia. E se coincide com nossa voz interior... é poesia incalculável. Estava certo o poeta... a música é uma forma de oração. Sobre todas as coisas. Sim. Estrela. Estrela. Criador. Criatura. Fantasia. Em mim: saudades.
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"Estrela, estrela... / Como ser assim...?/ Tão só, tão só.../ E nunca sofrer./
Brilhar, brilhar/ Quase sem querer/ Deixar, deixar/ Ser o que se vê./No corpo nu da constelação/ Estás, estás sobre uma das mãos/ E vais e vens como um lampião/ Ao vento frio de um lugar qualquer./ É bom saber que és parte de mim/ Assim como és parte das manhãs./ Melhor, melhor é poder gozar/ Da paz, da paz que trazes aqui./ Eu canto, eu canto/ Por poder te ver/ No céu, no céu/ Como um balão/ Eu canto e sei que também me vês/ Aqui, aqui com essa canção." [Vitor Ramil]

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"ps's": 1. "O Recado do Morro" de Guimarães Rosa, com toda a profundidade da obra deste, é de ser lido duas vezes à sombra de uma palmeira; 2. Da série 'Grandes Cursos Cultura Na TV', a preleção do genial músico e ensaísta José Miguel Wisnik vale a pena ser ouvida até de olhos fechados pra se saborear bem (e é de graça! http://www.tvcultura.com.br/default.aspx ); 3. Creio que Vinicius me perdoaria por estender a religiosidade para além do samba; 4. Tentando encontrar a transcrição da palestra de Wisnik descobri um assombro. Anos atrás uma das apresentações que mais marcou a existência dos meus sentidos foi a dança mineira do Grupo Corpo encenada no Palácio das Artes de Belo Horizonte. Perfeita. Na trilha, composições de Ernesto Nazareth, um dos meus prediletos (!); e não é que tinha um dedo (e o cérebro) de Wisnik também ali? 5. Sacralidade, pra mim, é isto, coincidência de preciosidades: Minas; Ernesto; Wisnik; Corpo; Rosa; Palavra; Chico; Edu; Maria; Ramil. Um compêndio de divindades. Só assim me ajoelho... e rezo; 6. Prece... involuntária decorrência de momentos de êxtase; 7. A imagem é de Isabella Rosellini... cuja beleza inspira tanto quanto música.


14 November 2006

just perfect

daisies blow by koen http://www.flickr.com/photos/d_oracle/


We'll do it all / Everything / On our own □ We don't need / Anything / Or anyone □ If I lay here / If I just lay here / Would you lie with me and just forget the world? □ I don't quite know / How to say / How I feel □ Those three words / Are said too much / But not enough □ If I lay here / If I just lay here / Would you lie with me and just forget the world? □ Forget what we're told / Before we get too old / Show me a garden that's bursting into life □ Let's waste time / Chasing cars / Around our house □ I need your grace / To remind me / To find my own □ If I lay here / If I just lay here / Would you lie with me and just forget the world? □ Forget what we're told / Before we get too old / Show me a garden that's bursting into life □ All that I am / All that I ever was / Is here in your perfect eyes, they're all I can see □ I don't know where / Confused about how as well / Just know that these things will never change for us at all □ If I lay here / If I just lay here / Would you lie with me and just forget the world?
[ 'chasing cars' by snow patrol]
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From what's left of my heart... thank you.

qui?

" (...) Con alivio, con humillación, con terror , comprendió que él también era una apariencia, que otro estaba soñándolo."

(...) Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que era também aparência, que outro o estava sonhando. /'Las ruinas circulares'; Jorge Luis Borges/

12 November 2006

sim

sim, nós sabemos.
[verdade capturada pelas lentes de 'Bart'; http://www.olhares.com/bartigno]

10 November 2006

som

Attadīpā viharatha
Attasaranā anaññasaranā

08 November 2006

mas

Vamos, não chores./ A infância está perdida./ A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perdeu./ O primeiro amor passou./ O segundo amor passou./ O terceiro amor passou./ Mas o coração continua. Perdeste o melhor amigo./ Não tentaste qualquer viagem./ Não possuis carro, navio, terra./ Mas tens um cão. Algumas palavras duras,/ em voz mansa, te golpearam./ Nunca, nunca cicatrizam./ Mas, e o humour?/ A injustiça não se resolve./ À sombra do mundo errado/ murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias/ precipitar-te, de vez, nas águas./ Estás nu na areia, no vento... (...)

['Consolo Na Praia' by Carlos Drummond de Andrade] [E bela foto de 'Bart'; http://www.olhares.com/bartigno]

saudade

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" Tenho saudade de mim mesmo, / saudade sob aparência de remorso, / de tanto que não fui, a sós, a esmo,/ e de minha alta ausência em meu redor./ Tenho horror, tenho pena de mim mesmo/ e tenho muitos outros sentimentos/ violentos. Mas se esquivam no inventário,/ e meu amor é triste como é vário,/e sendo vário é um só. Tenho carinho/ por toda perda minha na corrente/ que de mortos a vivos me carreia/ e a mortos restitui o que era deles/ mas em mim se guardava. A estrela-d'alva / penetra longamente seu espinho/ (e cinco espinhos são) na minha mão."

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Credits: http://www.flickr.com/photos/98301161@N00/ 'Floating Down' by Will Fowler ; 'Estrambote Melancólico' by Carlos Drummond de Andrade; 'Hands Copy' by Ghosts of Angels http://www.flickr.com/photos/chrispm/

07 November 2006

z

/ time after time... só a voz de chet baker pode me curar/

05 November 2006

y

Ah, insensatez que você fez/
Coração mais sem cuidado/
Fez chorar de dor o seu amor/
Um amor tão delicado


Cravou um punhal no meu amor, como nos filmes. E veio rasgando palmo a palmo. Cirurgicamente. Sem piedade. Natural como um bicho comendo outro bicho. Um ciclo. Cada coração lutando a própria sobrevivência corpo a corpo. Eu aceito — a carnificina necessária frente à desilusão e o desencontro. É preciso não ter dó; assassinar a punhaladas mesmo. Como animais. Em que o gesto mais violento nem sempre faz sangue ou nos quebra os ossos. Basta uma ausência com força de explosão atômica aniquiladora e já viramos pó. Basta incompreensão do tipo agudo sem defesa. Basta um desalinho de órbitas e queimamos no contato da estranha atmosfera. Outra vez carne e fogo. Outra vez pó. Na vida como nos filmes, esta fatalidade fortuita: e quem nos conduz emoção e pensamento? Não sei. Porque andam sós; emancipados; sem nos prestar satisfação. E vez ou outra saem por aí cometendo crimes de amor ou desamor; tão cruel quanto ingenuamente. Com o punhal cravado no peito lembro esta verdade tão serena. Eterna. Em que não há pecado ou culpa. Onde a gente morre amparado de certo perdão. Nós mesmos a nos redimir morrendo. De forma tão dolorosa ou mais — morte é sempre morte. E ela sempre vem. Aos poucos ou assim grotesca; nos dilacerando e expondo vísceras e alma aos urubus.
insensatez
nossa de cada dia
/ao alto: música de vinícius/