29 September 2006

eis

tua mão

Dá-me a Tua Mão
(donne-moi ta main)


"Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo; e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos silêncio..."


Clarice Lispector

[Sleeping Woman by Pablo Picasso; 1952]
— Take my hand: I am going to tell you about my entrance into the inexpressible realm that was always my blind and secret pursuit. How I entered into that which exists between the numbers one and two, how I saw the line of mystery and fire, how that border is a surreptitous one. Between two musical notes there's another note, between two facts another fact exists, between two grains of sand, no matter how close they are, there's an interval of space, there's a feeling between feeling – in the spaces of primordial material we find the membrane of mystery and fire that is the world's breathing; and the world's continuous breathing is what we hear and call silence… [Translated by Jason]

27 September 2006

azul


abril, gosto tanto de ti; aqui os céus são azuis e contudo se esverdeiam mesclando seu outono à minha primavera; o ar é um cortejo frio e poucas folhas se amarelam, mas o sol é eterno e lúcido olhar sobre a areia cinzenta das ruas; em abril, todo fim de estação é sempre um tempo de adeus; quero me despedir e não quero; lanço as mãos ao ar num aceno, mas meus olhos perduram, ficam, tentando estranho jazigo à sombra deste afeto; aqui, longínquo abril, as buganvílias se preparam pra florir; e a ti, folhas caem sob brancos tapetes feito esquecimento; gosto tanto de ti, ainda sem esquecer os céus que são do mesmo azul; agora, no entanto, sob os pés da nova estação tudo é pedra sem caminho.
[Nap on Cushions by Pierre Boncompain]

22 September 2006

pessoa


(...) Dentro de mim há um só vácuo, um deserto, um mar noturno. (...) E à tona dele, como algas, boiam meus sonhos desfeitos...

[F. Pessoa]

Picture: Inpulsa by Sweetshared

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SZERETLEK

10 September 2006

'sperança

A 'sperança, como um fósforo inda aceso,/ Deixei no chão, e entardeceu no chão ileso./ A falha social do meu destino/ Reconheci, como um mendigo preso./ Cada dia me traz com que 'sperar/ O que dia nenhum poderá dar./ Cada dia me cansa de esperança ... / Mas viver é sperar e se cansar.
[ Fernando Pessoa ]
Foto de Paulo Mora [http://www.olhares.com/]