10 January 2006

t.e.x.t.o.

Qualquer texto que se produza é uma obra em mutação. Uma criatura solta. O personagem de um filme. Você pisca o olho e o texto é outro texto. Em um meio licencioso como este a obra pronta está obsoleta e em breve se extinguirá o sentido de "permanência". A obra aqui não tem a limitação do prelo. Abolida a última revisão, talvez se transforme em uma criança mimada esparramando seus brinquedos pelos cantos sem muita disciplina. Mas pode ser o princípio de uma nova liberdade. A verdadeira obra aberta. Aquela, ali, agora, amanhã se acrescentou, visível ou discretamente, de corpos exógenos podendo sofrer contribuições de inéditas autorias ou transmutar-se com o tempo na própria contestação. Pode ainda, e apenas, ir deixando de estar. Tanta coisa se vê por aqui, ou se viu, e que já não se encontra. As obras surgem e se apagam com a mesma facilidade. Perde-se também o pudor da sua destruição — dos tempos em que a palavra merecia a sofisticação de arder na fogueira. Quem sabe tenha adquirido o status de lei, promulgada e revogada segundo jurisdição própria. Me faz pensar no texto tradicional impresso. Quase uma arrogância hoje em dia. Quase antiecologia. No prisma da "constância" (por falta de palavra melhor) o livro é o aprisionador da obra. Esta fica nele encalacrada e imóvel, tolhida de qualquer evolução (descontando-se eventuais re-edições). Imagino que o autor sofra duplamente diante do livro; pela fatalidade em se considerar completa uma obra que ele acredita, quase sempre, impossível de se completar: neurose humana a tal busca compulsiva pela perfeição. Por outro lado, o alívio cheio de culpa em se ver livre da mesma: o livro é uma carta de alforria. "Segue teu caminho!" (se for capaz) diz a obra ao autor num esbravejo divino. Neste ponto o hiper-super-ultra texto mantém libertina dependência com quem o escreve. Está sempre a convidá-lo a mais um pecado e, enroscado em seus sentidos como uma serpente, a sussurrar-lhe novas barbáries gramaticais. Poeta ou proseta, este autor vive tenso de dúvida e deve recordar com nostalgia os bons tempos do velho ponto final. Livro, quem diria, um cárcere...! E, ao mesmo tempo um templo de moderno requinte (a luxúria de uma vaga e insólita perenidade).

1 Comments:

Blogger Jason J said...

Simplesmente maravilhoso essa meditação sobre a natureza da escrita, o texto, os meios virtuais e reais. Ler um "texto" desses, seus, é conhecer a poesia, a prosa, o ensaio de uma vez. Tem talento invejável para articular essas coisas teóricas, e outras também. Espero que voce nao perca o medo de apagar seus textos. Não merecem essa destrução... E embora muitas vezes pode parecer que sou destrutor de textos, um cara que fica apagando, saiba que salvo tudo e fico re-lendo, em cantos mais privados.

8:06 PM  

Post a Comment

<< Home