09 March 2006

incomunicabilidade

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(da incomunicabilidade)

acho que o dilema humano é este: a incapacidade de exprimir-se. ou melhor, no sentido mais imbricado da comunicação: a constituição do vínculo necessário. a comunicação do que se faz preciso. do que faz falta e do que a alma pede. quase sempre um pedido sôfrego e que no entanto permanece insolvível — o pedido que resiste a uma tensão barométrica. que resiste invisível uma rocha secular: as pessoas sempre querendo se comunicar e prestes a dizer alguma coisa. ou querendo ouvir. ouvir o quê? ouvir alguma coisa. e a distância entre esta e aquela coisa é uma viagem no espaço (sideral).

é. acho que o maior dilema é este: o da incomunicabilidade. se às vezes nem a parte esquerda e a direita do mesmo cérebro se entendem. se palavra é tão inapreensível quanto a definição de um espectro luminoso: cor. o que é isto? palavra. o que diz isto? de onde vem o que escuto e pra onde vai o que é angústia e coisa inefabulosa (de qualidade inefável mas sem a poesia do vocábulo)? esta coisa que sai de mim ou quer sair. quase um grito. não vai — fica. e como tudo que fica se frustra; definha um nada iníquio. não sobra coisa alguma. ninguém se entende. nem o interlocutor nem o interessado. eu — sujeito de um querer que também não entendo. e você — o outro lado: porque custa caro ( em milímetros de matéria vivida) cada minuto preciso desperdiçado em famigerado questionamento: e agora? o diálogo é um desgaste contínuo.

sim, não quero e devo permanecer quieto diz (não com estas palavras) r. maria rilke: você sozinho deve encontrar (você somente) a si mesmo seu deserto interior adentro — esta sua única viagem (e companhia) real. você deve ao recolher-se aprender a povoar o próprio vácuo. calado qual uma mortalha. sem intenção em mover-se em outras direções. pois todo movimento é um aviso de perigo. cuidado: confusão à frente. ou simplesmente ausência. cuidado! o desejo assassinado de entendimento é uma pista interrompida. pra onde vai a indagação? cadê a resposta? quem é que sabe? e os diálogos formaram revoadas e partem bem antes. de certo: eis que a ponte entre o avesso e o rascunho das nossas mentes ficou por fazer...!

/sim, a palavra fraturada é uma sensação exposta: como a hora do ônibus que se perdeu; o convidado chegando depois da festa; o aluno que erra o dia da prova; a madrugada que faz a gente levantar cedo achando que se atrasou pro trabalho — a incomunicabilidade tem dessas várias faces: uma delas, a de interrogação ressentida; a outra, de uma vaca brava./

comunicar-se: tornar comum. o que é meu é seu. o que é seu é meu naquilo que é mais fácil dividir com o outro: a gente mesmo. o que há de tão complicado nisto? "a gente" é mesmo bicho difícil. fala difícil. pensa difícil. e põe a palavra na frente dos bois: a palavra (um mero instrumento daquilo que realmente nos liga ao outro) vai sozinha. pois sim: incomunicáveis; grande dilema que me põe a pesar prós e contras e a lamuriar-me ao pé da cama em solitária profundeza. quero escapar à árida filosofia alemã (ou seria tcheca?) e me chego à mizu. a mizu fala uma outra língua. sem tradução. e... no entanto, escutando o revés da fala e mesmo sem entender — querendo compreensão (ou dá-la) eu lhe respondo. e num afago ou beijo me comunico de outras formas. a melhor forma. ou, de qualquer forma. o importante é que me comunico.

"cat" by kessler

"(...) Une seule chose est nécessaire: la solitude. La grande solitude intérieure. Aller en soi-même, et ne rencontrer, des heures durant, personne - c'est à cela qu'il faut parvenir. Etre seul comme l'enfant est seul quand les grandes personnes vont et viennent, mêlées à des choses qui semblent grandes à l'enfant et importantes du seul fait que les grandes personnes s'en affairent et que l'enfant ne comprend rien à ce qu'elle font. S'il n'est pas de communion entre les hommes et vous, essayez d'être prêt des choses: elles ne vous abandonneront pas. Il y a encore des nuits, il y a encore des vents qui agitent les arbres et courent sur les pays. Dans le monde des choses et celui des bêtes, tout est plein d'évènements auxquels vous pouvez prendre part. Les enfants sont toujours comme l'enfant que vous fûtes: tristes et heureux; et si vous pensez à votre enfance, vous revivez parmi eux, parmi les enfants secrets. Les grandes personnes ne sont rien, leur dignité ne répond à rien." (Lettre a un jeune poète. Rainer Maria Rilke)

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