18 March 2006

reflexo


Às vezes me sinto assim, um reflexo. E as coisas que eu penso são ondas se formando de uma pedra lançada à água. Mera repetição: a quebra de uma rotina gerando outra rotina, tão caoticamente organizada quanto. Uma ação quase involuntária ou então milimetricamente calculada; de um cálculo sincrônico — a onda não pensa em produzir outra onda; mas produz. E gera sem qualquer consciência de 'como' toda uma sucessão de ondas tão iguais a ela. Nós, tão involuntários quanto. Tão sem saber porquê e pra onde.

Tenho a impressão de já ter ouvido isto outro dia ou lugar. Estes mesmos pensamentos propagando-se ao longo dos anos no acolchoado invisível de mente e voz humana. Coisa que embaralha a ótica da mente, criando confusão (e fazendo seus rodopios). Da mesma forma, esta minha voz às vezes se propaga. E meus pensamentos vão fazendo cópias de si mesmos, produzindo outros pensamentos. Crio minha particular superfície cristalina crispada de movimento. Então... me ponho a auscultar a superfície disto, do que (e ao que) aparentenmente me resumo.

Percebo várias de mim, uma após outra sempre se repetindo. Pra onde eu não sei, o discurso é inapreensível, a direção também. Vá lá, minha mente é qual o inaudível e enigmático burburinho da patuléia. E percebo: somos este grande lago que se agita hoje. Sem tempestades, mas levado no alvoroço do vento. Um lago que se turva levemente riscado pelo meu pulso e pulsar.
...

Hoje os céus estão vermelhos e refletem n'água uns desenhos de dragão chinês — como nós nos refletimos (um ao outro) e por vezes fazemos caras de um boi bumbá. Fazemos caras de interrogação. Nos fingimos de barquinhos levados pela correnteza sem preocupações. Contamos as horas que passam, ou brincamos de contar: quantas vezes vamos olhar pedra ante pedra e lançá-las à água?
Hoje apenas nos deitamos sobre a salmoura de um mar que nos mantém boiando à tona enquanto as ondas nos atravessam sutilmente. Hoje vamos fechar os olhos e sonhar? Sermos levados. Hoje as águas estão vermelhas. O céu escurece. Meus pensamentos seguem uma trilha de ecos circulares recorrentes. Mil perguntas emboladas fazendo espuma. Ondas fazendo desenhos no ar. Caraminholas na cabeça. Tudo fazendo alguma coisa. Mas, e nós...? O que fazemos...?
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[ "Paisagem Natural" by André Viegas ]

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