27 January 2006

caminhos

[Edge of Faite by Raphael Lopez]

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

Paulo Leminski
...
sexta-feira, 5 de novembro de 1999  
"(...) Tenho saudades de Minas. Mas Minas não tem piedade. A saudade de Minas é um minério cravado no umbigo da terra. É um ferro frio. Todo sentimento em Minas é extraído, levado em vagões sem conforto para sítios muito distantes.
Toda emoção em Minas é derretida na alta temperatura das fornalhas e no metálico calor da humanidade, transformada num rígido e prático utensílio doméstico de breve duração.
Minas não tem dó. Sua grande e soberba montanha é oca vista de cima. Ainda assim tão linda. Minas é um gigante barco basáltico capaz de abraçar a todos e consumi-los em extasiar. Minas é de beleza e imponência. Toda ela é como um golpe na face.
A voz de Minas é o timbre massacrante do relevo pedregoso. Faz o ouvido doer. Minas exige o poder e a estabilidade das escavadeiras para penetrá-la. É uma riqueza já explorada. É exaurida e não é. Sempre redescoberta por cada um que passa e se deixa ficar. É preciso ficar. Minas... Capaz de fazer feliz ou infeliz. Capaz de lembrar. Capaz de esquecer."

doce de marmelo

Ouro Preto
"Hoje tem marmelada? Tem sim senhor. Tem de tudo, rapadura, goiabada, paçoca. Tem o começo e pode ter um fim. Faz tempo que tem. E daí? Acontece o quê? Em Minas está tudo agarrado sim. Ou já foi liberto e andou. Mas pode ser os dois, pois aqui é assim: morros e morros pedindo por um tapete e uma garrafa de vinho. O tempo fica misturado. Três milhões de habitantes dos quais quinhentos, regularmente, farfalham as baixas e poucas moitas do cerrado. Casas. Economia do não: habitação recorrente provisória e popular. Coisas finas. Vai se tornar um negócio rentável. Um luxo. Não é todo mundo que tem os olhos e os pés pra deitar nesta terra. Pisar a terra e morar na casa popular do centro-oeste. Saberemos quando algo acontecer. Então me explique. Por que sopra este vento? Por que gentilmente...? A luz aqui se espalha por tudo cobrindo cada canto e cada pé de alface. Até os brócolis estão mais verdes como há muito não se vê nas ladeiras ouropretanas. Na época de chuva, nada de brócolis. Os pisos de madeira e os azulejos continuam escuros, a música drolando, o calor enche, o carro passa, a nuvem tem forma de tesoura e se desmancha. Quantas pessoas saberão no fim do dia o quanto é enorme esse céu? Sim, hoje tem marmelada. Quantas palhaçadas ainda por vir no verão. E vamos sair todos em busca de asas a se espraiar como um gás. E planar, como até os urubus de cera planam agarrados ao teto do museu de história. Os pássaros aqui contornam a escarpa azulada rumo à planície procurando algo. O vôo que serpenteia e perfura a atmosfera realça o respirar das coisas. As coisas respiram. Os urubus tomam carona nas correntes de ar quente, sobem o horizonte cuspindo a liberdade de estarem soltos. Se perdem no pódio do mundo. Os vemos navegar suave sem esforço como se fossem divas, ou às vezes tão grotescos quanto uma idéia nova. O que é isso que descortina coisas nem sempre visíveis? Que fala de espaços mais além nos quais se aventurar? Aquilo é uma igrejinha perdida no monte. É a minha igrejinha. Aquilo é um bando de pernas subindo tomar café com pão pela manhã na esquina do largo. Aquilo é asa e flecha. São pés em balanço se emancipando do chão multimetálico, se oferecendo às possibilidades escondidas na montanha. Aqui tudo é calmo no meu canto. É um canto cansado que ouve a ladainha justa de uma gente que mora. Que habita. Já não sei defender a história e a exigência da cidade. Eu prefiro deixar falar por si só o espaço e, de repente, me vem uma verdade importante. A de deixar passar. Deixar morrer. Por que não? E chorar. Quase sempre. Não ter mãos pra segurar o passado no presente. Este passado que não é nem meu. Por todo lugar aqui há uma lagoa e barulho de copas. Há uma confeitaria na esquina com cadeiras amarelas na calçada, cerveja nas mesas, há uma fila de cinema e luzes coloridas nos letreiros. Uma noite de estréia. De qualquer estréia. Eu estréio todo dia aqui ao passear nesta rua. Minha igrejinha ali de platéia. Amo cada rua. Será que esse passado agora me pertence? Em todos estes caminhos o mesmo silêncio suspenso. O mesmo olho giratório e afiado. A retina púrpura como a de um gato, as pálpebras camufladas num sorriso genocídio de ambos os lados. Público e privado. O velho e o novo. Porque a vida pôs um anúncio de outdoor no outro curso da rua. E ambas as faces da moeda agora querem se esfaquear. Mas basta um minuto para que as coisas brilhem e eu gargalhe por dentro. Um instante ainda menor pra perceber o desdobrar de outras belezas na velha estaticidade involuntária das lajes de pedra. Um questionar pouco sereno. Parei aqui. Em todo lugar as indagações transpiram. Os contornos compreensíveis volatizam e perdem as auras. Tudo procura. Basta fechar os olhos para enxergar a teia de pesquisas inconscientes.  É todo um mar de desejos, os meus e os de todos. Estar aqui é o existir do quero. Em cada cadeira onde me sento, em cada passeio no cerrado, em cada água morna de chuveiro eu quero algo. Eu sento e olho. Apoio o rosto nas mãos pra olhar. Todos estão dizendo a mesma coisa. Onde nos leva isto? Cruzando a estrada há um infinito. Por ele passa o tal cometa de cauda vaporosa a cada cem anos. Do alto das pedras, do muro, da varanda, é possível prever qualquer futuro em Ouro Preto. O seu, o dos meus passos. Os cem anos. Sabemos o que vai acontecer. Pode-se ver dia e noite juntos se alternando. Só isto. Pode-se sentir cheiro de uvas. Ver abençoada manhã com mãos suadas e cabelos emaranhados. O vento sopra aqui, sim senhor. Tinha goiabada sim e comemos com queijo. Não agüentamos esperar. A espera é longa demais. Meu problema é este, não posso esperar. A poucos metros atrás você nem sabia. Nem seus braços. Nem os braços do rio. Seus dedos estalaram apressados meu despedir fotográfico. Quem sabe o que você irá descobrir neste displicente jeito de se balançar? As luzes vão se apagando e o sol tombando atrás de nós. Os artistas agradecem. Talvez a ansiedade seja o segredo. A vontade de ir embora explica o desejo de ficar. Aqui há uma paz mutante que não se agüenta com o transformar das coisas, com as manchas de tinta, com a mescla imperfeita, a frase impertinente. Faço a minha reverência àqueles que se deixam levar. Para mim a partida sempre dói, ainda que momentânea. Volto amanhã mas hoje o adeus é definitivo. Vou ver o mundo lá embaixo comendo pipoca e me ressinto do olhar que fica pra trás. Cada um vendo uma coisa diferente. Fico pensando se a beleza é isto. Paisagem transmutando-se de verde a azul ao se afastar. E o meu querer cada vez maior a cada pedido satisfeito. Minha saudade sempre rainha reverberando com Sollers... nada existe além do desejo, nada existe além do desejo..."
quinta-feira, 1 de maio de 1997
...

(...)

"(...) amas as palavras cruzadas
e também os logogrifos,
pois a poesia, bem sabes,
é emoção filtrada em signos
de grifos e hipogrifos...
e te divertes buscando
a chave obscura do verbo,
a chave esconsa do amor,
a chave enigma do ser...
"


Carlos Drummond de Andrade
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serra

Serra do Cipó - Minas Gerais - Brasil (http://www.sagarana.uai.com.br/)
...
/espaço de devaneio e mil amores/

24 January 2006

o rosto

o rosto fica para um outro dia (...)

palavrinha

'My cat Alis' by Salihguler
I probably lost my temper again and said things I'll regret. To regret saying things is one of the insecurity quirks of my personality… and it feels considerably worse when I hurt someone's feelings. 'Cause this is never my intention. Even when I say things I believe to be true and that are important enough to linger deep in my brain until my next anger outburst, I'm hoping to offend no one. Sometimes, though, when we're hurt it's difficult to think about other people's feelings. So… forgive me. I'm really sorry. ● You may think my rampant behavior is a sign of immaturity. If maturity for you is synonym with people who never loose control, I’m guilty. Or you may think a sensible person is capable of waiting for the right time to say things the right way, calmly. Yeah, that's not me. The first time I tell you something is bothering me I may be nice and delicate, and considerate. I don't guarantee good behavior the second time. You may also think a grown-up person is able to accept something after he or she understands it rationally ― specially if there's no malicious intention involved and knowing that people feel and think differently. I wish. I have a very rational mind and I'm still dreadfully impulsive and emotional now and then. So I guess you succeed in making me feel bad for my actions by comparing me to those levelheaded human beings who show their emotions properly. ● I don't know who these people are, though. And I would be very skeptical of their existence if I had not met you. I prefer to think that these forever-composed embodied models of self-control human excellence are imaginary creatures. If so, there's a place for imperfect people like me in the realm of, you know, nice human beings. Maybe, people who never flip their lid, never blow a fuse or hit the roof are just insincere phonies, people pleaser with hidden Machiavellian agendas. Maybe they are too afraid of rejection to say a word. Maybe they are the most immature of all, completely unaware of their own feelings. Or worse, maybe they just don't care enough. But, let's suppose you are right and this person exists: An emotionally evolved type of intelligence out there. Someone like you. I understand how tempting it can be. Part of you desperately wants to find this woman who will never disrupt your life of peaceful reasoning. ● So, considering that the perfect being exists, I won't pledge psychological maturity. It would be great to have such a quality but I gave up being perfect a few years ago. I have other qualities, if I may use them in my defense. I'm capable of loving someone deeply. I do care enough to express what I feel, even if not always in the best way. I worry about the impact my words have on people. I critically analyze my own behavior and I invariably regret being a bitch. I'm also capable of reconsidering my judgments, of forgiving, of reaching out for those I love, and of saying I'm sorry (eventually). That said, I'm truthful sorry if I have hurt you with my demands, complaints, and my angry comments… I hope you'll forget everything I said, mostly everything at least. ● I just wish you knew, for instance… that I'm also hurt. I may have behaved poorly because of stress, as a result of a hormonal imbalance, or for whatever inexcusable excuse, but I didn't do so without a reason. Something hurts me too. It's something you did or something you do. Something you have already explained to me and I have already understood in all its logical implications. Somehow… that 'something' still makes me sad, though. Ultimately, this is not your problem. So you shouldn't worry about it. I have to come to terms with it myself, learn to forget and to forgive. But it's not easy. When I think I've finally evolved into a superior being… I sin again. Probably because I am still immature in many levels, but also because I'm hurt as badly as my bad behavior.

22 January 2006

dois e dois


...

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
Como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

― sei que dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Mesmo que o pão seja caro
E a liberdade pequena
.


(Ferreira Gullar)

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Foto de Maria Salvador (http://www.olhares.com/)

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Soundtrack: "If you were mine" and "without your love" by Billie Holiday : )

20 January 2006

genesis

Luis Fernando Veríssimo - "Genesis"

19 January 2006

phases

"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
e outras de ser sozinha
."
[Cecília Meireles]
Neste fim de semana a lua estava cheia de bruxas. Pobre lua, que leva a culpa do meu mau-humor. Dizer o quê além do óbvio? Pouco importa o que nos tira o foco ou nos faz perder a cabeça. A lua é ao menos uma desculpa poética. Digo portanto: a lua sangrou. Senti uma pontada no peito e espinhos nos pés. Passarei a semana inteira descalça me desculpando no espelho. E a conversa ao travesseiro será assim ― infame! sim! perdoa...? perdôo...! Infame! Sete dias e sete noites de culpa. Voltar a sorrir só depois do carnaval. Sentir raiva é como comer arroz com Pequi. Odeio.
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Picture: "Just a phase" by Alex Teselsky http://www.deviantart.com/

12 January 2006

clichê


/Olhos de Montanha/
"(...) seus olhos de montanha aparecem cobertos sob a cerração, deitados sob as pálpebras ainda pesadas. A montanha abraça a cidade e cresce verde em uma suave curva. De longe ela parece maior e mais distante do que realmente é. E a bruma da manhã nunca se dissipa totalmente, deixando o cume embaçado à vista. Ali, na montanha, seus olhos se escondem imensos, brilhantes e côncavos, plácidos como uma lagoa. São olhos de ambígua sabedoria. De um sorriso quase permanente — daqueles que não tem pressa de ir embora. Olhando a serra em dias de muito sol não se vê nada além da elevação escultural da terra. Mas, quando menos se espera, seus olhos se abrem a fitar-me curiosamente como se alguma coisa lhes chamasse a atenção. Sou tomada pela idéia de que os meus próprios olhos não enxergam bem. Não vêem o que está a minha volta. E é então que os olhos da montanha sorriem. Talvez compreendam o que eu deixo escapar."
segunda-feira, 28 de junho de 1999 - Minas Gerais
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interior trip







Praia de Barro Preto. Ceará. Brasil. Fotos de Alex
Uchôa
http://www.pbase.com/alexuchoa/favorites

10 January 2006

auto crítica




i Sempre escrevo o mesmo texto. Só mudo as palavras e o tema !

(que me redima o poeta)

...

"Os navios vistos de perto
são outra coisa e a
mesma coisa
Dão a mesma saudade
e a mesma ânsia
doutra maneira
."



(Álvaro de Campos)

l.i.v.r.o.

t.e.x.t.o.

Qualquer texto que se produza é uma obra em mutação. Uma criatura solta. O personagem de um filme. Você pisca o olho e o texto é outro texto. Em um meio licencioso como este a obra pronta está obsoleta e em breve se extinguirá o sentido de "permanência". A obra aqui não tem a limitação do prelo. Abolida a última revisão, talvez se transforme em uma criança mimada esparramando seus brinquedos pelos cantos sem muita disciplina. Mas pode ser o princípio de uma nova liberdade. A verdadeira obra aberta. Aquela, ali, agora, amanhã se acrescentou, visível ou discretamente, de corpos exógenos podendo sofrer contribuições de inéditas autorias ou transmutar-se com o tempo na própria contestação. Pode ainda, e apenas, ir deixando de estar. Tanta coisa se vê por aqui, ou se viu, e que já não se encontra. As obras surgem e se apagam com a mesma facilidade. Perde-se também o pudor da sua destruição — dos tempos em que a palavra merecia a sofisticação de arder na fogueira. Quem sabe tenha adquirido o status de lei, promulgada e revogada segundo jurisdição própria. Me faz pensar no texto tradicional impresso. Quase uma arrogância hoje em dia. Quase antiecologia. No prisma da "constância" (por falta de palavra melhor) o livro é o aprisionador da obra. Esta fica nele encalacrada e imóvel, tolhida de qualquer evolução (descontando-se eventuais re-edições). Imagino que o autor sofra duplamente diante do livro; pela fatalidade em se considerar completa uma obra que ele acredita, quase sempre, impossível de se completar: neurose humana a tal busca compulsiva pela perfeição. Por outro lado, o alívio cheio de culpa em se ver livre da mesma: o livro é uma carta de alforria. "Segue teu caminho!" (se for capaz) diz a obra ao autor num esbravejo divino. Neste ponto o hiper-super-ultra texto mantém libertina dependência com quem o escreve. Está sempre a convidá-lo a mais um pecado e, enroscado em seus sentidos como uma serpente, a sussurrar-lhe novas barbáries gramaticais. Poeta ou proseta, este autor vive tenso de dúvida e deve recordar com nostalgia os bons tempos do velho ponto final. Livro, quem diria, um cárcere...! E, ao mesmo tempo um templo de moderno requinte (a luxúria de uma vaga e insólita perenidade).

09 January 2006

gabo

...

A nice site about the colombian writer Gabriel García Marquez, born on 6th March, 1928: http://www.themodernword.com/gabo/index.html

sina



"Minha vida é assim

pedir socorro todos

os dias

Até que ninguém

mais acredite

no perigo."





...

Art: Capa do livro "Cem Anos de Solidão" (Gabriel Garcia Marquez) by Cathleen Toelke.

08 January 2006

queria


"Eu queria amar-te o amor,
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica rima e nunca a dor

Mas a vida é real e de viés..
e vê só que cilada o amor
me armou
Eu te quero e não queres
como sou,
não te quero e não queres
como és

...

Ah... bruta flor do querer.. ah... bruta flor, bruta flor...!

...

É o amor...
Oba lá lá... oba lá lá...
Uma canção...
Será feliz... o coração...?
O amor encontrará... ouvindo esta canção...?
Alguém compreenderá... seu coração...?

...

Ah... bruta flor do querer.. ah... bruta flor, bruta flor...!

...

Não quero sugar todo seu leite
Nem quero você enfeite
do meu ser
Apenas te peço que respeite
O meu louco querer
Não importa com quem
você se deite
Que você se deleite seja com
quem for
Apenas te peço que aceite
O meu estranho amor

...

Ah... bruta flor do querer.. ah... bruta flor, bruta flor...!

...

Teu corpo combina com
meu jeito
Nós dois fomos feitos
muito pra nós dois
Não valham dramáticos efeitos
Mas o que está depois

Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas
do rancor
Lutemos, mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor"

(...)

Poupourri ― Trechos. Canções de Caetano Veloso: 1) "O Quereres"; 2) Oba lá lá Bim Bom (João Gilberto); 3) "Nosso Estranho Amor".

07 January 2006

identity crisis

...
French Biscuit...?


...
Or American Tea...?

mau dia



( Poeta ) hoje não é um bom dia, como tantos outros. Que os dias sendo bons pra mim, são uma agradável surpresa. Mesmo assim, você me encontra aqui quase sempre a mesma. Estranho pensar nisto. Que me sinto às vezes fugindo de mim ou da vida pra este mundo quase só de palavras. E onde a gente escolhe, quase sempre, a melhor palavra. Ou acaba por ser algo também filtrado, um refinamento da nossa substância, do que ela tem de bom — em uma dimensão tão real ou mais real que as outras. Qual será, então, a realidade...? Aquela que nos dá o que queremos? E, se às vezes parece que fujo, há diferença entre o fugir e o refugiar-se?

Mas há dias que nossa realidade está tão negra... que pesa para além de qualquer dimensão (extrapolando-a). E inunda aquelas dimensões não tão reais com uma realidade incômoda. E então, não há mais refúgio possível. O que nos resta é a nossa velha e conhecida caverna interior; o espaço de um só.

Sobre o que me escreveu — há sim certas verdades difíceis de conviver. E elas são belas somente em poemas; ou se tornam belas ali descobertas. Neste ponto a poesia pode ser um substituto de afeto. Deste que, no simples enxergar da nossa dor, nos acolhe. Na poesia a gente encontra um abraço que nos faltou, um consolo, o reconhecimento de outro que, mesmo não estando ali, se faz presente ao compartilhar de matéria tão íntima. Temos a calorosa sensação de que o poeta nos compreende e torna, deste modo, real nossa existência. Ou a poesia nos oferece um espaço de devaneio, em que a gente traveste a verdade, põe nela um laço de fita e se contenta por alguns instantes. Todo ser humano, no fundo, tem vocação e desejo de ser enganado. Não traído, mas consentida e docemente enganado.

Posso te dizer que, enquanto musa, não sou mais pra você que um espelho, poeta. Um reflexo. E só. O resto, dificilmente é real. Você me olha e se vê. É somente assim que alguém existe enquanto fantasia — sendo o outro. Não é a mim que você espera. É qualquer coisa, alguma coisa. É o que te falta. Não importa, portanto, como há de vir. Quando chega a ti, se através de mim, não sou mais eu. Esta pessoa você nem conhece. E se conhecesse não se fascinaria, pois pessoas têm as mesmas realidades no fim das contas. Têm todas um lado patético; um lado oco; um lado triste, um lado bravo. E estas coisas são boas apenas quando de longe ou não vistas. A fantasia tem destas regalias — de ser o que a gente quer que seja; de fazer visível somente o que nos faz bem enxergar.

É um risco te escrever coisas como esta, poeta — coisas que uma amigo diz a outro amigo — quando a gente interpreta mais de um papel. O papel de musa, por exemplo, é algo bastante frágil, como você já pôde perceber... precisa de um vislumbre de promessa, mas morre no excesso de realidade. E a minha realidade às vezes é tão negra... como a de hoje, mas de um jeito nada parecido com poesia. Você poderia até dizer que os poetas estão acostumados com trevas. Mas só com as suas. É da natureza poética que o poeta não reconheça a dor de mais ninguém. Neste ponto, é um egoísta. Apenas sua dor importa ou se sobrepõe às demais; o poeta tem mais a fazer do que lidar com a dor do outro. E tem também um quê de Oscar Wilde, da ironia em se declarar "poesia, um ser indomesticável"... e desta aversão pelo que é altruísta. O poeta foge da dor do outro como o diabo da cruz [1] . Como podem as poesias, produto individualista, ser então e tão generosas conosco...? Bom... é sabido que não há emoção mais egoísta que a dor; mais intransferível; mais enaltecida. A dor é sempre nosso estandarte maior — o que mais pesa e pelo qual medimos tantas vezes o nosso valor. Talvez, então, assim como uma dor se reconheça em outra, nosso egocentrismo também o faça.

O que eu poderia te dizer hoje...? Uma noite interminável. Uma gravidade esmagadora. Uma sensação de ser apenas rastro. Ou pior, uma coisa de gente comum. Como gripe. Péssima inspiração. Musas não pegam gripe. Musas desfalecem de doença incurável e desconhecida e, porém, curam-se milagrosamente, para o quê se recolhem aos seus castelos. É bem nestes momentos em que eu preferia ser apenas uma boa amiga e nada mais. Tem razão, poeta, não é um bom dia. Eu estou triste. Você não sabe. Não entende. E não ficará pra ver. Dificilmente há de perceber se estou bem ou mal. E, quando meu mundo ruir, o seu mundo permanecerá intacto, há anos luz do meu. Se chove aqui, aí faz sol. E a minha chuva termina no toque de um botão. Uma outra hora então... quem sabe, quando tudo estiver bem.

Sobre a inspiração, eu penso ser nada mais que outro encontro consigo mesmo. As paixões lá estão como um filme a ser mergulhado em líquido contrastante... acelerando o surgimento de formas, dando formas — aleatórias talvez — à emoção motriz. O que me fascina é este precisar do externo, do outro, da carência aparente que nos arranque a paixão de dentro (algo já nosso, só nosso, com fim em nós mesmos). O objeto de paixão é mero instrumento. Assim, toda manifestação de entusiasmo — o desejo, a posse, a falta — tudo é teu e para ti. Não tem outro dono. A gente finge sem querer que a paixão tem um nome fora de nós, mas não tem. A gente quer acreditar que a inspira, quando é apenas um meio de trazê-la à tona. Não que não haja méritos nisto... mas são tão fortuitos quanto involuntários. Serão ainda nossos?

Digamos, então, poeta, que não precisas de mim. Nem é por mim que você espera um só minuto. Eu não estando aqui, outras ou outros virão a seu tempo. A inspiração sempre encontra um caminho. Faz muito tempo que aprendi, portanto, a separar o que é meu e o que é dela, esta entidade independente, a fantasia. Os galanteios à musa pairam na esfera da tela plana e ali ficam. Sobreviveriam fora dela...? Não creio. Este mundo, de onde escrevo agora, é um espaço do desconhecido, do qual não participas. Quando aqui eu venho, a musa deixa de existir. Pois o que há de mais real em mim não é poético. Não tem música no olhar. Não tem boca palpitante. Nem constelações. É só um apartamento mal arrumado do outro lado do mundo, um pé de bambu doente e um gato no sofá, um dia de calor como dez mil outros e nenhuma novidade, nenhuma história brilhante ou diploma na parede, nenhuma vista de se embevecer os olhos. É um monte de dúvidas e receios que turvam a poesia. Por isto a poesia não chega aqui. Nem pede pra entrar. Parado na porta diante da realidade o poeta demanda, agarrado à poesia: "No la ennegrezcas" Pois este é o único domínio que temos sobre à fantasia — o poder de confiná-la ao mundo que pertence, para que ela sobreviva.

Às vezes, no entanto... eu não amo a poesia tanto assim. E eu teimo em acreditar que há uma poesia possível para o ser comum e imperfeito na sua feiúra ou insanidade. No seu espectro real mais insosso... ou vergonhoso. Às vezes penso em amizade apenas. No que será isto. Penso que companhia, trocas, aprendizado são autênticos em qualquer realidade. Reais, portanto, embora não tão glamourosos e de pretensões bem mais modestas... mas, contraditoriamente, por vezes de maior alcance. O estender de uma mão... uma frase que provoque sorrisos, um pé no lado de lá, compartilhar também o que é ruim — olhar o que é ruim sem susto; participar de qual for o mundo em que a gente esteja. Não presente em todos os momentos (que o impossível tem suas razões de existir!) mas almejando mais que ser mero expectador do outro, mais que apenas desejar pelo outro que se cure sozinho. Mesmo sendo este, no fundo, o nosso destino
.
...
Painting... "Apartamento en Manhattan" by Didier Lourenco
...
[1] a dor do outro conspurca a poesia; só não soa agressiva quando coincide com aquela que é a mesma dor do autor... então recebida de braços abertos, como se não fora de outrem, mas exclusivamente e à mortificação do poeta que a transcreve.

04 January 2006

ze

"Vou te passar um motivo que te faça como fez em mim, a nossa alegria alegria. O grande sopro que veio pelo mel de todos os segredos, pelo som de todos os brinquedos, um canto leve que leve a gente para outro lugar transparente, que em tudo reluz a boa e forte imagem que chega (...) "

Zé Ramalho

03 January 2006

schopenhauer

Translation: Notes from Schopenhauer,
plus questions!
by Jason
" ... I found these in an essay entitled : "On language and words." I'm interested in reading theory on translation in order to develop a list of (almost) universal principles of translation... Any thoughts?

"Not every word in one language has an exact equivalent in another." (agree? examples? also: do words ever have an exact equivalent in the SAME language?)

"This [lack of equivalency] causes unavoidable imperfection in all translation."

"Even in the realm of prose, the most nearly perfect translation will at best relate to the original in the same way that a music piece relates to it's transposition into another key. Musicians know what that means." (why does Schopenhauer privilege prose discourse as being somehow easier to translate? Is this analogy accurate? Is translation the same as transposition? Is language the same type of semiotic system as music? Or is this what Jackobson would call "intersemiotic" translation?... What say ye, musicians?)

"When we learn a language, our main problem lies in understanding every concept for which the foreign language has a word, but for which our own language lacks an equivalent--as is often the case. Thus, in learning a foreign language one must map out several new spheres of concepts in one's own mind that did not exist before. Consequently, one does not learn only words but also concepts." (This idea is fascinating, but does it apply to all language learners? Or do some only learn words and phrases...? Schopenhauer himself answers the question later in the essay... What he doesn't tell us is that perhaps the concepts are not only related to the second language but, as I believe, to the interaction between the first and second. From this perspective, an English speaker learning French would discover concepts slightly different than a Spanish speaker learning French... What about a student of French who already speaks Spanish and German? The problem of enumerating the possible concept-creating combinations becomes a problem for the mathematician.)

Schopenhauer distinguishes between the words and phrases of a language and its "Spirit." He says, "If one has properly grasped the spirit of a foreign language, one has also taken a large step toward understanding the nation that speaks that language." (So, what's the implication for a globalized world in which languages are disappearing or becoming increasing homogenized? What are the consequences for national identities? Some Latin American countries have decided to "dollarize" their economies. They literally reject their own currency for a more universal token of exchange. Is this similar to today's pervasive mindset that everyone should be learning English or Mandarin? What happens to the cultural identity of a people or nation that dollarizes its language? If all Peruvians learned English, would a monolingual American or Brit immediately identify with the Peruvian national character? Too bad Schopenhauer's dead...)

Happily, Schopenhauer would probably be opposed to the homogenization of languages. Unlike so many people today, he actually celebrates "polyglotism" as a way to clarify and multiply our perceptions, to expand our conceptual understanding: "Therefore, an infinite number of nuances, similarities, differences, and relationships among objects rise to the level of consciousness as a result of learning the new language. This confirms that one thinks differently in every language, that our thinking is modified and newly tinged through the learning of each foreign language, and that polyglotism is, apart from its many immediate advantages, a direct means of educating the mind by correcting and perfecting our perceptions through the emerging diversity and refinement of concepts. At the same time, polyglotism increase the flexibility of thinking since, through the learning of many languages, the concept increasingly separates itself from the word." (This is genius, and a great justification for being a language teacher--and learner. However, what struck me as I read this was the assumed privilege given to the notion of Language... Would Schopenhauer's argument about enriching the thinking process be just as valid if we were to substitute the words "language" and "languages" with ones such as "theory", "scientific insight", "poetic impression
"...?) "
...
"All truth passes through three stages. First, it is ridiculed. Second, it is violently opposed. Third, it is accepted as being self-evident."
(A. Schopenhauer)
...

Arthur Schopenhauer by Antony Hare 2000

Hmmmm

Sim. Concordo que quando se traduz uma obra (eu sei, foi uma constatação feita também por Borges!) já não é a mesma obra. E há horas em que a tradução se revela realmente melhor que o original ― o supera. Ou simplesmente adquire significado diverso, talvez impregnado dos regionalismos desta outra língua, talvez criando outras imagens que o autor não fora capaz de criar ou que a língua original não dispunha. É de uma fatalidade tanto frustrante quanto curiosa. Não há escapatória. A tradução é a arqueologia da obra. Destrói e revela por natureza. Sim. Ou recria. Nada mais pungente que isto ― se saber lendo algo de autoria desvirtuada ou quase desconhecida. Acho que não deve haver fidelidade de qualquer tipo no universo. Muito menos na tradução. A palavra e sua forma e a relação da palavra com outra palavra são ambas a mesma chapa fotográfica do feitio específico de uma abstração. A abstração de alguém. Concordo plenamente ― a expressão verbal revela a sistematização da mente e esta, por sua vez, os meandros do sentir e pensar. Por isto sempre quis aprender japonês (uma esperança de me tornar quem sabe mais organizada!). Não entendo como cheguei a esta conclusão estapafúrdia, mas quanto mais conheço do cérebro humano, mais percebo que, em se falando da mente, quase tudo se resume à criação de caminhos. Trilhas neurais esculpidas pelos mais diversos aprendizados. E, se hão de ser diferentes caminhos, hão de levar (por que não?) a diferentes destinos. Não é de hoje que me faço esta pergunta: onde me leva a linguagem na qual fui forjada? Eu seria a mesma tendo nascido hindu? Vem aí uma outra teoria da personalidade: o fato de ser esta um acidente geográfico. Equivalência é outro conceito que, enquanto realidade, me parece fortuito. Acontece. E nisto eu discordo de Schopenhauer. Não que aconteça sempre. E, quando acontece ninguém sabe como. Considerar sobre a equivalência em tradução deve ser algo parecido com sopesar o amor, partindo do principio de que ambos sejam a conjunção do acaso. Plagiando Milan Kundera; diz ele: "o acaso tem suas mágicas (...) Para que um certo amor seja inesquecível é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante". Então, pode ser que a tal equivalência lingüística seja algo assim como um caso de amor entre duas línguas. Ah! No sentido da linguagem! ; ) Mas, diante disto, surge outra questão: se mal sequer adivinho a intenção do autor — ou o seu sentido mais profundo: aquele que, ao dominá-lo, produziu esta ou aquela representação verbal — de que forma ser fiel a ele? Não é a própria linguagem (mesmo a "original") infiel à sensibilidade do autor? E não seria, portanto, a fidelidade neste caso uma grande bobagem? Mas, sim, concordo, não se pode aprender apenas a "palavra". Nem mesmo em nossa língua natal. Eu, por exemplo, por muito tempo ao ouvir falar de um camarão graúdo julgava se tratar de uma coisa bem pequenininha. E depois de anos em criança dizendo "redola" não me acostumo com "rodela" de coisa alguma. Todo diálogo é no fundo uma Torre de Babel. Afinal, quanta diferença não existe na palavra de um quando apossada pelo outro? E para completar, o caso de amor com as palavras (de Quintana à Veríssimo) é mesmo uma relação da mescla de paixão e ódio. Vivo algo assim — apesar da irresistível atração que a palavra provoca, sentir a raiva indignada pela limitação a que ela nos confina. Me agrada, portanto, a imagem da gaiola de palavras. Palavra como aquilo que nos dá meios de "caminhar" (substrato ao pensamento) e nos serve concomitantemente de grilhões, nos impedindo de avançar. Coisa contraditória a linguagem. Aliás, tentava eu encontrar um substituto da palavra "palavra", e não achei. Então pensei: não está a idéia de "conceito" já embutida na própria palavra? Se não estivesse, eu a poderia substituir por "grifo", e não posso. Creio que a forma como cada um utiliza a linguagem tem algo de cultural (econômico até) e algo de subjetivo. É uma apropriação que extrapola a barreira lingüística propriamente dita e encontra resposta na expressão individual[1]; o modo como me ponho diante do mundo e com ele me comunico — melhor: como me sinto impelido a comunicar. Logo, não seria o aprendizado de qualquer língua (estrangeira ou nativa) um reflexo daquilo que tenho a dizer ou das questões que me suscita o próprio mundo? Da mesma forma, se o aprendizado de uma nova cadeia de símbolos e relações é capaz de abrir horizontes e me oferecer novas ferramentas no diálogo com o que me cerca, isto é seguramente relativo, variável. Acontece ou não; mais ou então menos, quase independente da nossa vontade. Algo que se pode até buscar, mas cuja intensidade não se controla e tem origem na história passada e presente de cada um. Esta busca, enquanto ensejo comum, às vezes se revela na assimilação cultural de uma nação por outra — seja enquanto povo ou enquanto pequeno grupo dominante. Mas tal apropriação, que inclui a troca, me parece mais fascinante que assustadora. É claro que o movimento evolutivo das coisas implica sempre na morte do velho para o nascimento do novo, ou seja, em alguma forma de transformação. Um apaixonado pelo ser humano e pela comunicação do que no seu íntimo ele é capaz de criar, vai sempre se lamentar diante da possibilidade de perda ou arrefecimento de quaisquer e toda possibilidade de expressão — visto ser cada uma única a sua maneira. Aliás, para um apaixonado (de novo na palavra do controverso Roland Barthes) perder é sempre inimaginável. Perder qualquer coisa. O apaixonado quer a possessão total e completa do seu objeto de desejo. Se o objeto em si é a compreensão pura e simples, conceitual, ou se é o domínio da linguagem, o apaixonado há de querer falar até a língua dos anjos. E, não a encontrando, a inventará. Os caminhos, portanto, se abrem em nossas mentes com força proporcional a que nos lançamos sobre eles. Aliás, pode ser que os apaixonados, num tempo de globalização sejam capazes da façanha de preservar "nacionalidades" inclusive estrangeiras. De resto, é da natureza social que as nacionalidades se transformem, seja como for ou por quais dominações a que estejam sujeitas. Dói para os preservacionistas. Dói para os apaixonados. Porque nem um dos dois admite o descongelamento do tempo. Já reparou que as paixões são assim... nos querem presos num determinado instante e nos põe a idolatrar a eternidade contida no mesmo? Uma eternidade onde a beleza que nos fascina estará pra sempre preservada. Pois sabe-se lá o que será do caiapó falando inglês e do queniano rimando em mandarim. Só nos resta rezar! Quem sabe disto tudo não nasce uma outra paixão? E não é isto o que acontece conosco? Uso-me de exemplo. Amaria tanto o português se não fosse o inglês, o francês, o italiano, o japonês...? (só pra citar algumas línguas) E não é no confronto que uma revela a beleza da outra — ao mesmo tempo que, modificando-a, eventualmente a destrói? Um confronto que fala tanto das diferenças quanto de similitudes. Por isto, outra vez a analogia do amor: aquilo que me atrai no outro é "identificação", mas não somente do que nos coincide, como também do que nos intriga e do que nos complementa. Pessoalmente sou contra quase todo tipo de homogeneização. A única homogeneização que me parece plausível no momento é massa de bolo. Mas esta é uma opinião extremamente subjetiva e pessoal, sem qualquer fundamento. Se alguém perguntar "por que?", respondo apenas "porque sim". E, fosse eu convidada a imaginar uma possível contestação de Schopenhauer, diria muito soberbamente que ao falar de linguagem ele já previa seus desdobramentos… teorias, "insights", impressões poéticas e outras produções da mente humana tão intrínsecas à linguagem que acabam praticamente sendo dela uma sinonímia. Ou melhor, um derivado. Um traço interessante da linguagem tem como exemplo a própria palavra "linguagem" que, como qualquer outra palavra, funciona nas nossas mãos feito um repositório, uma caçamba de caminhão, um carrinho de supermercado. Nos possibilita acrescentar a ela, como quem lança grãos numa tulha, os significados que quisermos. Assim, fica a palavra mais rica e, no entanto, incógnita, precisando ser cunhada de novo e a cada instante por aquele que a profere. Ainda falando de tradução, penso sim ser ela uma corruptela. É engraçado pensar que possa ser ruim ou má, e que assim os nossos sentidos a reconheçam. É de fato uma outra obra. Se original, não sei. Talvez a tradução seja uma forma de criação assistida. Como quem decalca um desenho usando o vidro de uma janela. Como quem pinta sobre um esboço a carvão. Uma paródia? Um plágio? Uma releitura? Nunca a mesma obra. Acho que se Schopenhauer estivesse vivo diria ainda que, não sendo nunca os processos mentais os mesmos entre um indivíduo e outro e, sendo diferentes, portanto, as sensibilidades geradas, uma obra não é a mesma obra nem mesmo quando lida por uma só pessoa num intervalo de alguns anos. Bom, alguém já disse isto! Disto eu tenho certeza. Ou seja "nada de novo ao sul do equador". Agora é só descobrir os verdadeiros autores dos meus pensamentos.


[1] (taí, preciso estudar lingüística, considere que não me referi à ciência com "C")

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p.s. ( 1 ) Acho que acabei não respondendo suas perguntas!

p.s. ( 2 ) The artist's notes on this drawing:

"Pessimism. I was urged by a fellow philosophy student and friend in Nottingham to try my hand at Schopenhauer, and so I decided to give it a go. I'm not too sure if I've captured his likeness exactly the way I imagined, but there is something interesting about this effort. I started with a perfect circle for the head, as an experiment. I really don't know too much about Schopenhauer except that he was influenced by Kant and that he is known for his pessimism. I recently read that his mother disliked him for his gloomy outlook. That can't be healthy. This illustration most recently appeared on the cover of a Spanish translation of The World as Will and Representation."

font: http://www.siteway.com/illustrations_arthurschopenhauer.php 03 January 2006. By the way, very nice site and terrific work by Antony Hare http://www.siteway.com/index.php

"como besaras?"

Enciendanme tus labios
Nuestros alientos perdidos
entremezclandose

Sincroniza nuestro silencio
al perezoso pasar de las horas.

Lleva el aire aromas de cacao,
nuez, canela que me rodean

Tiembla conmigo
con pausas paralizantes

Quizá no pueda respirar más
sin respirarte a ti.




...

Poem by Judith Pordon/ "Sea Serpents IV" by Gustav Klimt